quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Conto de um "Poemio"




O sol ainda nem havia começado a brilhar...
Num canto da memória, daquele lugar em que se deixam os sentimentos esquecidos, pegando poeira e teias de aranha, veio à lembrança de momentos inteiros em que durante a noite entre sorrisos e conversas, intimidades e leves carícias - que contornavam os corpos e ouriçavam os desejos - surgiam, como afago de pura saudade, dias infindáveis de arrependimentos por erros tão infantis quanto à própria idade, que julgava até então ser de grande conhecimento para a construção de seu próprio ego, mas que num relance de espelho viu-se cair em cacos de orgulhos tolos e necessidades de reconstruir-se.
    
O sol ainda nem havia começado a brilhar... E no celular uma mensagem não lida: "precisamos conversar..." O que será que tinha feito de errado? Sabia apenas que ultimamente deixara a vergonha de lado e, como há muito não fazia, voltara a se abrir de forma sincera sobre o que passavam em sua mente, seus sentimentos, e talvez, comportamentos. Acreditava - ter retirado aquela armadura de ferro batido e espinhosa que costumava assustar as pessoas com uma simples palavra de olhar mais duro.

A cabeça era um redemoinho de ideias tempestuosas de insegurança, medo da perda de qualquer que seja o motivo da conversa e, sim, raiva. Raiva por julgar alguma culpa de erro, raiva por se sentir frágil à sua falibilidade, raiva pelo simples medo. A caneta ainda tremia entre os dedos em seu papel amarelado de versos indiscretos sobre um íntimo, que em bem da verdade, apenas o autor entendia sobre o quê as letras se aventuravam a contar, apesar da crença inabalável de que estava sendo o suficientemente claro.

Os versos traziam um poema para o "Além da Matéria", espaço criado para seus desabafos, e versos como que de bêbados que dormitavam entre a razão de segundos e a loucura de um cigarro que se vai numa só tragada:

(...) Faz silêncio agora... A rede balança.
É pleno o ser nos braços da memória...
E toco teu corpo em desejos impuros,
o vento sopra... Teus lábios agora em mim.

Já é tarde no desejo. Ainda não há tempo...
- Tempo é mero acaso de segundos não contados. (...)

- "só se percebe a felicidade, quando perdemos!"
De alguma forma veio essa frase em seus ouvidos, como que soprada pela brisa de voz doce, em meio à penumbra e sussurros de um prazer longínquo, preso na lembrança de uma cama de casal alugada junto ao apartamento e vários bibelôs numa cômoda do quarto. As mãos pararam de escrever. Ainda não era hora, mas a garganta pedia café... Já há um tempo não era dono de suas próprias vontades, e talvez por isso tenha ido tão longe contra si próprio.

O sol ainda nem havia começado a brilhar, e numa ou outra tragada do café, além da vontade de um cigarro que nunca fumou, vinha o desejo de estar com seu passado mais próximo, voltar no tempo, criar um novo presente, onde talvez não tivesse deixado sua terra, ou que de preferência não tivesse perdido as chances com quem no início pensava ser apenas uma opção. - Erro primordial dos Homens, a falta de sinceridade consigo próprio.

Não, o tempo passava, mas o sol ainda nem havia começado a brilhar... E enquanto isso continuava pensando na sua escrita em terceira pessoa, já que felizmente ainda não havia uma quarta para se arrepender. O som em algum lugar lembravam músicas de filmes noir, mas que profundamente marcava seu espírito de uma agonia pela vontade de gritar e pedir perdão, espernear e permitir que as lágrimas escorressem. Na tela de seu computador, soterrado de papéis, brilhava no canto direito algumas pessoas importantes... Talvez fosse melhor começar dali, mesmo que numa sombra, blindado pela frieza de uma comunicação à distância. Entretanto será que sua presença seria aceita se resolvesse falar pessoalmente?

As mãos trepidavam como de uma criança em frente ao primeiro medo, já as palavras, vacilantes como os sons de metais ao vento e tão sutis quanto os que não sabem escrever... Antes de enviar, pensou inicialmente em mandar um poema, porém no fundo, sabia que não ia ser compreendido e possivelmente não saberia explicar o motivo, apesar de ser bem simples, fugir da realidade. Era sua Ex, Ela o conhecia bem, e por tantos erros, com certeza iria novamente ignorar a presença ou talvez se ofendesse ainda mais com a falta de sinceridade ou pessoalidade em suas palavras. Seria muito pior... (Enter).

No canto do quarto, bagunçado quanto à própria existência, pegou uma garrafa de vinho. Sempre que tem medo recorre a ela, para dar coragem, como um amuleto ébrio. Esperava uma resposta... Seu coração palpitava, sabia que no fundo ainda a amava, mesmo com tantos erros de tantos lados e tão justificáveis, mas a essa altura da noite de uma existência já era bem tarde.

Aproveitando do computador, publicou um novo poema no "Além da Matéria"... Seu layout já estava ultrapassado, como sua própria escrita e o espírito da página. No canto da janela, piscou a resposta: "Quero que também seja feliz"... A cabeça fez um rodopio entre o redemoinho de ideias, e mais do que nunca sabia que havia perdido tudo que desejara, era hora de virar a página, quem sabe agora ser o escritor que desejava criar contos ou "Poemias", para que finalmente um dia se torne quem julgava ser para a quem tanto amou.


Lúcio Vérnon