Arde qual morena
que em mesa como cerveja
traz o gosto amargo de desejo,
pela vontade de não esperar,
enquanto de toques em samba
requebras as cadências
de um olhar que abrasa,
toques pelas coxas as mãos
que sobem às palavras...
Arde qual morena
que de pele alva
traz o gozo no olhar
provocante quanto as ondas
de um oceano ainda distante,
mas viajado como saveiros
de brancas velas e tenro
pelas curvas que minhas mãos
insistem em não largar...
Arde qual morena
que de suave gesto
cantarola como flauta
em choro de gemidos,
de lençóis bagunçados
da noite que insiste em despedir-se
ainda tão antes da hora
e fora dos movimentos de pernas...
Arde qual morena
que do malandro já sem o chapéu
embriaga-se do prazer,
do capricho, de uma provocação,
da lascívia que é teu corpo
em tons rubros do dedilhar
das cordas de sua cintura
sem música tocar
se não, a pura excitação de teu ser...
É assim como vinho...
Torpe e ébrio,
torto quanto passo,
que de olhar encara-te
futuro antes de um tempo...
Rabisca cabelos
com espalmadas mãos,
fortes como estradas,
e que percorre tua pele
antes mesmo do caminhar.
É assim que de real azul,
de lábios que sorriem,
encontram-te como dança
enquanto tudo são cartas
de horizontais entrelaces...
Histórias que se cruzam
em palmas e marcas produzidas
com sonoras mordidas em gozo
apalavradas e concedidas pelo desejo
de apenas caminhar novos rumos...
É assim que de vegetal verde,
seduz como molduras,
adornadas de suave mistério,
personalidades de noites
há anos já passadas...
De vidas já cruzadas,
como quem conhece
vários corpos em camas deitados
entre velas e destinos,
sorrisos e outras paixões...
Palavras presas na garganta...
E misturavam lágrimas à chuva.
O asfalto derretiam suas esperanças
em passos tão largos, tão duros,
quanto os próprios sentimentos que julgava.
- Já a alma remoía vontades reprimidas
dos verbos nunca conjugados a quem deveria...
Eram amargas as gotas que caiam...
Molhavam o corpo, abraçava os desejos.
E Sonhava entre toques imaginários...
Fazia promessas em pura loucura
e jurava ser tudo a quem, ali, não ouvia!
Palavras presas na garganta...
Queria os braços de quem no momento não podia,
e que em outros acalantava suaves versos
de escrita e cantos como quem nina,
ou provocava com olhares semi puros e lascivos.
Eram amargas as lágrimas que caiam...
E por um relance via sombras que dançavam
entre cigarros e cafés, desejos e estados,
zombando de encontros e ansiando por outros
em segredo de uma frase ainda não dita.
Como quase estava acostumando, como mantra,
sua mente repetia esse sentimento. As estrelas já haviam se deitado há algumas
horas e na sala descansavam garrafas de vinhos baratos, iluminados palidamente
pelo sol nublado de luz semi cinza. Ainda rolava na cama com uma preguiça
matinal de quem há pouco passou a noite com a falta de coragem para dizer o que
talvez não devesse, sufocando-se em palavras engasgadas e nunca pronunciadas às
pessoas certas.
Seu olhar viajava por entre as paredes e
janela do quarto, voltava no tempo, e quase sem querer, como uma rima de poetas
pós-modernos, tropeçou na vontade de braços alegóricos de um passado que ainda
teima em não continuar calado e esquecido. Gradativamente o peito apertava,
como num lance de desejo de sumir daquele corpo e ir para outro que tivesse um
pouco mais de sorte, fazendo-o lembrar de cada mulher que, recentemente, entrara
pela porta da sala e ao contrário do que queriam ver, encontrava um homem de
corpo imperfeito, barba por fazer, mente evasiva, olhar distante e coração como
quase já estava acostumando... Vazio.
E tal sentimento não amenizava, não
importando as companhias, que diariamente, quase que como um rito de passagem
de noite, acompanhava em caminhada por entre as os prédios da cidade, como quem
vende o próprio interesse da vida e corpo, para passar algum momento sendo
apenas autêntico em si. Se sentia, como já dito, vazio de algo que não se
preenche tão facilmente e que tampouco é encontrado nos entrelaços em lençóis
semi sujos de corpos de outrora e cheiros já evaporados pelo tempo que insiste
em passar tão rapidamente quanto é possível voar.
A música no quarto ainda tocava em francês repetidamente,
um único trecho. Sua vontade era de palavras tão meramente rotas, quanto o
sorriso amarelo e espírito cansado, sem brilho, como se pode imaginar entre a
razão e os sentimentos. Em sua visão ressaltava a imagem virtual e inebriante daquela
quem mais desejava e que mesmo por míseros segundos, fazia sonhar em novos
planos, ainda que em brincadeiras. Mas “a vida é o que acontece enquanto
fazemos planos”... E o sentimento voltava a se repetir logo em seguida.
- Vazio... No mais amplo significado da
palavra...
Os olhos pesavam em rubor de um dia mal
dormido e das letras desgastadas em palavras sempre repetidas nos versos tão
pobres quanto às rimas dos poetas pós-modernos. Parecia marionete de seu
próprio ser, sem vida, vontade, e para variar, apenas funcionava no modo
automático de sorriso no rosto e atividades mecânicas da labuta diária. Sentia-se,
talvez, um romântico fora de época, apesar do comportamento torpe, e suas
lembranças caminhavam num trajeto tão repleto de curvas como as do corpo da
mulher que, em conversava sobre problemas e relacionamentos, pedia opiniões
deitada no sofá e fazia transcender - inesperadamente - algo que de alguma
forma, ela ou aquele momento, parecia preencher um espaço escavado pela vontade
de apagar as memórias que um dia fora apenas presentes, não no sentido de
tempo, mas que, agora, corrompia as vontades e dividia seu olhar entre o hoje e
o nunca mais.
Num
canto da memória, daquele lugar em que se deixam os sentimentos esquecidos,
pegando poeira e teias de aranha, veio à lembrança de momentos inteiros em que
durante a noite entre sorrisos e conversas, intimidades e leves carícias - que
contornavam os corpos e ouriçavam os desejos - surgiam, como afago de pura
saudade, dias infindáveis de arrependimentos por erros tão infantis quanto à
própria idade, que julgava até então ser de grande conhecimento para a
construção de seu próprio ego, mas que num relance de espelho viu-se cair em
cacos de orgulhos tolos e necessidades de reconstruir-se.
O
sol ainda nem havia começado a brilhar... E no celular uma mensagem não lida:
"precisamos conversar..." O que será que tinha feito de errado? Sabia
apenas que ultimamente deixara a vergonha de lado e, como há muito não fazia,
voltara a se abrir de forma sincera sobre o que passavam em sua mente, seus
sentimentos, e talvez, comportamentos. Acreditava - ter retirado aquela
armadura de ferro batido e espinhosa que costumava assustar as pessoas com uma
simples palavra de olhar mais duro.
A
cabeça era um redemoinho de ideias tempestuosas de insegurança, medo da perda
de qualquer que seja o motivo da conversa e, sim, raiva. Raiva por julgar
alguma culpa de erro, raiva por se sentir frágil à sua falibilidade, raiva pelo
simples medo. A caneta ainda tremia entre os dedos em seu papel amarelado de
versos indiscretos sobre um íntimo, que em bem da verdade, apenas o autor
entendia sobre o quê as letras se aventuravam a contar, apesar da crença
inabalável de que estava sendo o suficientemente claro.
Os versos traziam um poema para o
"Além da Matéria", espaço criado para seus desabafos, e versos como
que de bêbados que dormitavam entre a razão de segundos e a loucura de um
cigarro que se vai numa só tragada:
(...) Faz silêncio agora... A rede balança.
É pleno o ser nos braços da memória...
E toco teu corpo em desejos impuros,
o vento sopra... Teus lábios agora em mim.
Já é tarde no desejo. Ainda não há tempo...
- Tempo é mero acaso de segundos não
contados. (...)
- "só se percebe a felicidade, quando
perdemos!"
De
alguma forma veio essa frase em seus ouvidos, como que soprada pela brisa de
voz doce, em meio à penumbra e sussurros de um prazer longínquo, preso na
lembrança de uma cama de casal alugada junto ao apartamento e vários bibelôs
numa cômoda do quarto. As mãos pararam de escrever. Ainda não era hora, mas a
garganta pedia café... Já há um tempo não era dono de suas próprias vontades, e
talvez por isso tenha ido tão longe contra si próprio.
O
sol ainda nem havia começado a brilhar, e numa ou outra tragada do café, além
da vontade de um cigarro que nunca fumou, vinha o desejo de estar com seu
passado mais próximo, voltar no tempo, criar um novo presente, onde talvez não
tivesse deixado sua terra, ou que de preferência não tivesse perdido as chances
com quem no início pensava ser apenas uma opção. - Erro primordial dos Homens,
a falta de sinceridade consigo próprio.
Não,
o tempo passava, mas o sol ainda nem havia começado a brilhar... E enquanto
isso continuava pensando na sua escrita em terceira pessoa, já que felizmente
ainda não havia uma quarta para se arrepender. O som em algum lugar lembravam
músicas de filmes noir, mas que profundamente marcava seu espírito de uma
agonia pela vontade de gritar e pedir perdão, espernear e permitir que as
lágrimas escorressem. Na tela de seu computador, soterrado de papéis, brilhava
no canto direito algumas pessoas importantes... Talvez fosse melhor começar
dali, mesmo que numa sombra, blindado pela frieza de uma comunicação à
distância. Entretanto será que sua presença seria aceita se resolvesse falar
pessoalmente?
As
mãos trepidavam como de uma criança em frente ao primeiro medo, já as palavras,
vacilantes como os sons de metais ao vento e tão sutis quanto os que não sabem
escrever... Antes de enviar, pensou inicialmente em mandar um poema, porém no
fundo, sabia que não ia ser compreendido e possivelmente não saberia explicar o
motivo, apesar de ser bem simples, fugir da realidade. Era sua Ex, Ela o conhecia
bem, e por tantos erros, com certeza iria novamente ignorar a presença ou
talvez se ofendesse ainda mais com a falta de sinceridade ou pessoalidade em
suas palavras. Seria muito pior... (Enter).
No
canto do quarto, bagunçado quanto à própria existência, pegou uma garrafa de
vinho. Sempre que tem medo recorre a ela, para dar coragem, como um amuleto
ébrio. Esperava uma resposta... Seu coração palpitava, sabia que no fundo ainda
a amava, mesmo com tantos erros de tantos lados e tão justificáveis, mas a essa
altura da noite de uma existência já era bem tarde.
Aproveitando do computador, publicou um novo
poema no "Além da Matéria"... Seu layout já estava ultrapassado, como
sua própria escrita e o espírito da página. No canto da janela, piscou a
resposta: "Quero que também seja feliz"... A cabeça fez um rodopio
entre o redemoinho de ideias, e mais do que nunca sabia que havia perdido tudo
que desejara, era hora de virar a página, quem sabe agora ser o escritor que
desejava criar contos ou "Poemias", para que finalmente um dia se
torne quem julgava ser para a quem tanto amou.