Diálogo
Caneta
Escreve cansada mão,
Que nunca se esquece
Das letras que saem em vão
Para poemas que sempre tece.
Escreve a mão trepida,
Caminhos em versos avessos,
Frase insensata, talvez corrompida
Por dores da alma e dos ossos.
Tinteiro
Escorre a tinta no papel pobre
Manchando o peito sem uma gota,
Criando sentimentos que o cobre,
Gastando a tinta, mas quem importa?
Escorre a tinta em amarelado papel,
Discorre fatos de tragédia já falada,
Relembra gostos do mel e do fel...
E mostra o sangue do coração à facada.
Poeta
Calem-te loucos de mau agouro!
Deixem-me sentir e escrever...
Deixem-me no capitel louro
Descansar a ilusão do meu ver...
Calem-te companheiros loucos!
Deixem-me chorar o pranto antigo,
Que também são teus gritos roucos!
Do amor que se tornou castigo...
Lúcio Vérnon®
Teu poema conversa com este meu:
ResponderExcluirO Sangue
A quantos, e sobre quantos, eu poderia dizer do sangue. O sangue enquanto símbolo, ou sinal. Conversar sobre o vermelho.
A começar pelo tinto escrito. O risco que se faz na escritura. O bico de pena. Porque, quando risco, firo o ser. A palavra-pensamento afia. Os próprios traços finos. Então, o ser corta e é cortado. Alvo e dardo.
Mas há um bocado também de tinta. O sangue espalhado. Engraçado, que ao ser riscado, qualquer chão sangra, ele é que verte. Largar a tinta no papel é o oposto. O que há, nesse caso, é uma violência da tinta, pelo seu estado de impregnação, a maneira como atinge o que lhe recebe.
Talvez por isso elas, as tintas, me lembrem o sangue. Lembro agora, e ainda, da mácula do papel branco.
Na verdade, tenho meu próprio ser, carne e som, impregnado por esta matéria-prima: sangue...
O verter do sangue é dor. O sangue escapado, me significando enfraquecimento e dor, quem sabe algum desmaio.
O por ferir. O que haverá por ferir. Na plena manhã, o sangue me abandonou e o dia se tornou mais pálido, fraco.
Então, quando bato, em represália, busco o mesmo som, com base na lembrança que tenho. O mesmo som, eu quero que tu o sintas. Sangrar é bom, eu digo ao outro: é assim que eu te mato.
Escravar me lembra o som tímido que tenho de matar o outro, minimíssima violência ao sabor de um signo. Ah, sons. Ah, signo.
Ocorre-me ainda outro vermelho, e o vermelho da menstruação.
Será outro signo, outro sinal. Isso nos habita tanto, em nossa mente espantada.
A menstruação como som.
Está compreendido o sinal: assinala-se, e assimilo, que esta pequena flor já pode reproduzir. Veiculação hormonal, os critérios do sexo: somos avisados.
Ó fecundidade da espécie!
As mulheres mostram o seu sangue. É um alvoroçar.
Homens – diz a mulher - vou lhes contar um segredo: vossa sede ao pote nos marca.
Império da fúria masculina, vocês fazem a guerra é em nossa causa, dada a nossa contenção de pernas.
Calma, tudo o que vos peço é calma.
Homem...
É aqui que a mulher se recolhe. Uma voz mista dentro dela, um agitar de dentro dela, um reflexo de todas as participações, dos choques, do colado, do sangue pela quebradeira e pelo confluir de ossos para depois ensanguentar as mãos da parteira...
A lágrima, vê bem, a lágrima que rola, é sangue, como uma emanação cardíaca e no seu plasmódico e na cabeça.
A mulher alimenta tudo isso dentro de si.
Se fará um bebê: novos seres humanos, na sua consistência.