sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Poema antigo...

Diálogo

Caneta

Escreve cansada mão, Que nunca se esquece Das letras que saem em vão Para poemas que sempre tece.

Escreve a mão trepida, Caminhos em versos avessos, Frase insensata, talvez corrompida Por dores da alma e dos ossos.

Tinteiro

Escorre a tinta no papel pobre Manchando o peito sem uma gota, Criando sentimentos que o cobre, Gastando a tinta, mas quem importa? Escorre a tinta em amarelado papel, Discorre fatos de tragédia já falada, Relembra gostos do mel e do fel... E mostra o sangue do coração à facada.

Poeta

Calem-te loucos de mau agouro! Deixem-me sentir e escrever... Deixem-me no capitel louro Descansar a ilusão do meu ver...

Calem-te companheiros loucos! Deixem-me chorar o pranto antigo, Que também são teus gritos roucos! Do amor que se tornou castigo...

Lúcio Vérnon®

Um comentário:

  1. Teu poema conversa com este meu:

    O Sangue


    A quantos, e sobre quantos, eu poderia dizer do sangue. O sangue enquanto símbolo, ou sinal. Conversar sobre o vermelho.

    A começar pelo tinto escrito. O risco que se faz na escritura. O bico de pena. Porque, quando risco, firo o ser. A palavra-pensamento afia. Os próprios traços finos. Então, o ser corta e é cortado. Alvo e dardo.

    Mas há um bocado também de tinta. O sangue espalhado. Engraçado, que ao ser riscado, qualquer chão sangra, ele é que verte. Largar a tinta no papel é o oposto. O que há, nesse caso, é uma violência da tinta, pelo seu estado de impregnação, a maneira como atinge o que lhe recebe.

    Talvez por isso elas, as tintas, me lembrem o sangue. Lembro agora, e ainda, da mácula do papel branco.

    Na verdade, tenho meu próprio ser, carne e som, impregnado por esta matéria-prima: sangue...

    O verter do sangue é dor. O sangue escapado, me significando enfraquecimento e dor, quem sabe algum desmaio.

    O por ferir. O que haverá por ferir. Na plena manhã, o sangue me abandonou e o dia se tornou mais pálido, fraco.

    Então, quando bato, em represália, busco o mesmo som, com base na lembrança que tenho. O mesmo som, eu quero que tu o sintas. Sangrar é bom, eu digo ao outro: é assim que eu te mato.

    Escravar me lembra o som tímido que tenho de matar o outro, minimíssima violência ao sabor de um signo. Ah, sons. Ah, signo.

    Ocorre-me ainda outro vermelho, e o vermelho da menstruação.
    Será outro signo, outro sinal. Isso nos habita tanto, em nossa mente espantada.

    A menstruação como som.
    Está compreendido o sinal: assinala-se, e assimilo, que esta pequena flor já pode reproduzir. Veiculação hormonal, os critérios do sexo: somos avisados.
    Ó fecundidade da espécie!
    As mulheres mostram o seu sangue. É um alvoroçar.

    Homens – diz a mulher - vou lhes contar um segredo: vossa sede ao pote nos marca.
    Império da fúria masculina, vocês fazem a guerra é em nossa causa, dada a nossa contenção de pernas.

    Calma, tudo o que vos peço é calma.

    Homem...

    É aqui que a mulher se recolhe. Uma voz mista dentro dela, um agitar de dentro dela, um reflexo de todas as participações, dos choques, do colado, do sangue pela quebradeira e pelo confluir de ossos para depois ensanguentar as mãos da parteira...

    A lágrima, vê bem, a lágrima que rola, é sangue, como uma emanação cardíaca e no seu plasmódico e na cabeça.

    A mulher alimenta tudo isso dentro de si.
    Se fará um bebê: novos seres humanos, na sua consistência.

    ResponderExcluir

Saudações a todos que contribuírem com os comentários, para que eu possa sempre melhorar, e aos que apenas vieram ler.
Muito obrigado pela visita.